O CELULEX é um exercício sectorial organizado pelo Exército Português que visa exercitar o Elemento de Defesa Biológica, Química e Radiológica (ElDefBQR), num ambiente conjunto, combinado e interagências. Decorrente do exercício pretende-se garantir a manutenção e/ou aperfeiçoamento das capacidades operacionais dos militares, individual e coletivamente, assim como do Exército, nomeadamente na vertente Radiológica, Biológica e Química. Se a doutrina OTAN para a Defesa NRBQ assenta, entre outros, nos princípios da interoperabilidade e da preparação da força, e sendo o CELULEX o maior exercício NRBQ de Portugal, é aqui que tudo isso pode (deve!) ser testado.

Durante três dias, na Tapada de Mafra, diversas entidades, nacionais e estrangeiras, das quais destaco a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), a Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), a Unidade de Emergência de Proteção e Socorro (UEPS) da Guarda Nacional Republicana (GNR), o Centro de Inativação de Explosivos e Segurança em Subsolo (CIEXSS) da Polícia de Segurança Pública (PSP), a Polícia Judiciária (PJ), o Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa (RSB Lisboa) e, oriunda do Exército Espanhol, a Brigada “Extremadura” XI (BriExtremadura), colaboraram na resolução de diversos cenários NRBQ. De realçar ainda a presença, enquanto observadores, da Marinha Portuguesa, do Exército Eslovaco, do Regimento de Sapadores Bombeiros do Porto, da Cruz Vermelha Portuguesa, do consórcio europeu Strategy e… da plataforma intervir.pt!!
Há muito a explorar, por isso vou (tentar ir) por partes. Para analisar este exercício, que dedicou um dia a cada uma das ameaças, tentarei apresentar o cenário inicial, as entidades que consegui observar em trabalho, uma apreciação global do cenário e, por último, os destaques que serão direcionados para as boas práticas identificadas ou procedimentos técnicos. Realço que outras entidades estiveram envolvidas, mas como houve eventos a decorrerem em simultâneo, não conseguia estar em todo o lado e tive de fazer opções sobre o que acompanhar. Certamente que, além do que abaixo irei descrever, se poderiam tirar diversas oportunidades de melhoria, mas isso certamente será espelhado nos relatórios a serem elaborados pelas entidades presentes, e o objetivo desta plataforma será sempre identificar e partilhar boas práticas com vista a fomentar a cultura de segurança em torno das intervenções que envolvam matérias perigosas e/ou agentes NRBQ.
Dia 01 | Ameaça Radiológica
Cenário inicial: Após um sismo de elevada magnitude, um instituto universitário, com infraestruturas de investigação nuclear, foi severamente afetado, tendo ocorrido colapsos de diversas estruturas. A deteção, por parte dos first responders, de aumento nos níveis de radioatividade, levou à ativação de Equipas de Reconhecimento e Avaliação da Situação (ERAS), como previsto na DON 3, de diversas entidades. Paralelamente houve necessidade de iniciar operações de busca e resgate em estruturas colapsadas, procurando localizar e resgatar diversas pessoas dadas como desaparecidas. Com o esgotar das capacidades presentes no TO, houve necessidade de solicitar a ativação de meios militares, nomeadamente do Exército Português.
Entidades: APA, PJ, RSB Lisboa, UEPS, IGAMAOT, ElDefBQR e BriExtremadura.
Apreciação global: Neste dia foquei a atenção nos procedimentos das diferentes equipas ERAS que efetuaram reconhecimento e sinalização das fontes radioativas. O edifício existente na Escola das Armas do Exército permite acompanhar as ações de um local elevado, não perturbando os trabalhos das equipas no terreno, e com essa “visão de helicóptero” foi possível verificar que cada uma das 6 equipas (PJ, UEPS, RSB, IGAMAOT, ElDefBQR e BriExtremadura) atuou de forma diferente começando pela seleção do EPI, passando pela abordagem aos compartimentos, forma de sinalização e dados enviados por rádio. Não havendo uma forma dogmática de atuar, seria interessante aferir a possibilidade de instituir um procedimento uniforme que certamente facilitaria as decisões a serem tomadas pelos elementos da APA que se encontravam a coordenar as equipas.

Destaque: Utilização de capacete por parte da equipa do RSB, a forma sistemática e com recurso a identificação alfa numérica utilizada pela UEPS, os varrimentos expeditos e com atenção aos princípios da proteção radiológica utilizados pelos elementos do IGAMAOT, a utilização de inscrição nas paredes (tipo USAR) utilizada pelos militares do ElDefBQR e o recurso da sinalização OTAN por parte da equipa da BriExtremadura.

Dia 02 | Ameaça Química
Cenário inicial: Após um sismo de elevada magnitude, um polígono industrial ficou severamente afetado, principalmente algumas infraestruturas ligadas à indústria química (com a possível presença de químicos industriais tóxicos “QIT”), sem terem sido detetadas fugas no local. Paralelamente houve necessidade de iniciar operações de busca e resgate em estruturas colapsadas, procurando localizar e resgatar diversas pessoas dadas como desaparecidas. Algumas horas depois verifica-se a suspeita de roubo de material da zona industrial, a possível existência de um laboratório clandestino e um elemento dá entrada no hospital com queimaduras graves com evolução para vesículas e bolhas, de imediato a direção do estabelecimento hospitalar alerta a ANEPC que ativa a ERAS da UEPS. Com o esgotar das capacidades presentes no TO, houve necessidade de solicitar a ativação de meios militares, nomeadamente do Exército Português.
Entidades: UEPS, PJ, INMLCF, ElDefBQR, BriExtremadura e CB Ericeira.
Apreciação global: Um dia com muito que ver, diversos cenários a decorrerem em paralelo, e onde optei por acompanhar a investigação criminal ao laboratório de produção de agente vesicante para ser disseminado num possível atentado terrorista. Este evento foi deveras interessante, desde logo pela ameaça química presente, depois pela necessidade da ERAS da UEPS ter de efetuar um reconhecimento sem comprometer os indícios presentes no cenário, a passagem da informação para ANEPC que posteriormente ativa a PJ, passando a incidente tático-policial, os elementos da investigação criminal a recolher provas em ambiente NRBQ e, por último, a remoção de um cadáver contaminado com agente vesicante de um poço, para posterior procedimento por parte da equipa da Medicina Legal. Só com este cenário ficaria o dia todo a absorver o que ia vendo, mas houve ainda a hipótese de acompanhar, numa fase ainda inicial dos eventos, a equipa de Sampling and Identification of Biological, Chemical and Radiological Agents (SIBCRA) do ElDefBQR em ação.

Destaque: Procedimentos clean man/dirty man para recolha de amostras por parte do ElDefBQR, abordagem forense para recolha de indícios em ambiente contaminado pela PJ, resgate de cadáver contaminado, conjugando técnicas de salvamento com o uso de EPI químico, pelos militares da UEPS e o salvamento em grande ângulo por parte do CB da Ericeira.

Dia 03 | Ameaça Biológica
Cenário inicial: Após uma prova de hipismo um equídeo apresentou doença desconhecida acabando por morrer e ser cremado, tendo sido considerado que seria apenas um caso isolado e possivelmente originado pela ração utilizada. Após uns dias outros animais apresentaram a mesma sintomatologia e foi necessário ativar equipas de recolha de amostras e descontaminação, com a conjugação de entidades como a ANEPC e a Direção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV).
Entidades: ElDefBQR, RSB Lisboa e BriExtremadura.
Apreciação global: Depois da azafama dos eventos do dia anterior, o dia dedicado à ameaça biológica foi mais “calmo”, mas não menos interessante. A abordagem à cavalariça onde se encontravam as “boxes” dos cavalos infetados e as suas rações, foi efetuada, numa primeira fase, por militares do ElDefBQR que realizaram diversas recolhas de amostras para posterior analise laboratorial. Foi possível acompanhar de perto as ações do trio composto pelo clean man, dirty man e compiler, com todos os cuidados necessários para não contaminar os indícios. A equipa da BriExtremadura efetuou recolha de amostras de ar com recurso ao FLIR BioCapture® 650 tendo posteriormente procedido a testes rápidos e também a recolha de amostras para análise laboratorial.

Destaque: Procedimentos clean man/dirty man para recolha de amostras por parte do ElDefBQR, procedimentos de descontaminação na linha do RSB Lisboa e procedimentos de recolha de amostragem de ar por parte da BriExtremadura.

Resumindo, ao longo destes três dias, foi visível a capacidade de cooperação entre as entidades presentes nos diversos teatros de operação, o que desde logo é uma vitória, mas mais do que isso, foi possível perceber que diversas “cores de farda” conseguem trabalhar numa doutrina que, mesmo não sendo 100% harmonizada, é compatível e produz resultados. Julgo que não haverá melhor demonstração da definição de interoperabilidade. Havendo aspetos a melhorar, certamente que daqui muito poderá ser utilizado para melhorar, além de procedimentos internos de cada um dos participantes, a Diretiva Operacional Nacional n.º3 da ANEPC.

Para terminar, não posso deixar de agradecer ao Exército Português na pessoa do seu Chefe do Estado-Maior, o Exmo. General Nunes da Fonseca, pela oportunidade de participar, enquanto observador, nesta edição do CELULEX. Com os complexos cenários apresentados e a dedicação de todos os envolvidos, dos organizadores/dinamizadores aos “jogadores”, a experiência formativa foi extremamente enriquecedora.