Na sequência dos últimos artigos de terça feira, onde foi abordada a importância de conhecer as indústrias seveso e também realçada a relação entre as fichas de dados de segurança e os agentes de proteção civil,  hoje este espaço será reservado aos procedimentos de intervenção para os primeiros intervenientes de um acidente envolvendo matérias perigosas.

Existem várias publicações, em formato físico ou digital, que ajudam os agentes de proteção civil aquando um acidente. Assim, iremos abordar algumas já existentes e procuraremos lançar linhas guia para ajudar a criar procedimentos/fichas de intervenção adequadas à realidade de cada um.

ERG – Emergency Response Guidebook

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Emergency Response Guidebook, edição de 2016.

Na eventualidade de um acidente envolvendo matérias perigosas, a “bíblia” é, sem dúvida, o norte americano Emergency Response Guidebook. Este guia, dirigido aos primeiros intervenientes, é aplicável nos primeiros momentos (cerca de 30 minutos) de um acidente, e procura definir os potenciais perigos de uma substância, assim como introduzir medidas para mitigar o seu impacto na população. Este livro tem uma actualização quadrienal, foi pensado para o Canadá, Estados Unidos da América e México, e por isso é disponibilizado apenas em inglês e espanhol. Poderá encontrar no sítio da Pipeline and Hazardous Materials Safety Administration (PHMSA) um link para descarregar (gratuitamente) a versão digital do livro ou uma aplicação para instalar nos dispositivos móveis.

O ERG é tão importante para o universo hazmat que, além de ter sido adaptado para a nossa realidade pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil [Manual de Intervenção em Emergências com Matérias Perigosas – Químicas, Biológicas e Radiológicas], é usada como referência em documentos como os Standardization Agreements (STANAG) da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN | NATO). Devido à sua importância, será certamente alvo de artigo próprio aqui na plataforma intervir.pt.

Base de dados RSB NrBQ

Um dos muitos exemplos digitais de fichas de intervenção, poderá ser, a base de dados do Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa (RSB Lisboa).  Embora algo datada (2011), os seus guias podem ainda ser considerados para uma intervenção. Tem o mérito de ter “ido beber” a várias publicação conhecidas, como o ERG e as ERICards (Emergency Response Intervention Cards), e ainda a vantagem de ser português.

O RSB Lisboa conta, ainda, com o caderno técnico “procedimentos de intervenção em acidentes envolvendo matérias perigosas” (1ª edição – Agosto 2015). Esta publicação conta com 15 procedimentos de intervenção distintos onde são abordados: principais características e respetivos riscos associados a uma substância ou a um grupo de substâncias; sinalética para o seu transporte e armazenamento; ações prioritárias a ter em conta na intervenção e o equipamento de proteção individual adequado bem como as principais tarefas a desempenhar, para as equipas intervenientes.

Linhas guia para Procedimentos de Intervenção

Para efeitos de enquadramento, consideremos que temos uma equipa de intervenção em matérias perigosas e pretendemos criar procedimentos para intervir num possível acidente que possa ocorrer na nossa “jurisdição”.

Podemos definir 9 passos para a elaboração dos procedimentos de intervenção:

  1. Conhecer a doutrina – É essencial saber os princípios fundamentais que regem a intervenção de matérias perigosas, isto implica “mergulhar” em leis, directivas, manuais, procedimentos e outros documentos que as enquadram;
  2. Identificar os perigos – Para se definir técnicas e procedimentos, temos de conhecer o que existe à volta. Aqui torna-se importante saber que industria existe na vizinhança, quais as substâncias que usam, como são transportadas e porque meio(s) e rotas;
  3. Obter informação – Recorrer às fichas de dados de segurança, contactar as empresas e a proteção civil com vista a compilar toda a informação que se conseguir.
  4. Filtrar informação – Com a informação obtida começamos por filtrar os dados que realmente (nos) podem interessar aquando da intervenção num acidente de matérias perigosas. Cada caso é um caso, mas deve-se sempre tentar definir quais as principais características e potenciais perigos das substâncias. Os artigos sobre as industrias seveso, fichas de dados de segurança e propriedades das matérias perigosas podem dar uma ideia do que procurar.
  5. Definir limites – Este será um dos pontos mais complicados e sensíveis. Todos gostaríamos de ser capazes de responder a todos os cenários possíveis e imaginários… mas a realidade é que isso é impossível, há sempre um limite. E é após o assumir das limitações da nossa equipa que se pode construir algo. A análise SWOT (de “strengths, weaknesses, opportunities and threats“, em português: forças, fraquezas, oportunidades e ameaças) é uma excelente ferramenta para auxiliar nesta etapa.
  6. Determinar capacidades – Após estabelecermos os limites, saberemos quais as reais capacidades existentes, e isso é essencial! A equipa poderá “apenas” ter aptidão para, numa determinada substância, efectuar um reconhecimento visual, sem meios de deteção, enquanto para outra já poderá intervir para limitar a propagação de derrame (por exemplo). Se estiver apta a concluir uma tarefa de forma competente, valerá mais do que três ou quatro outras equipas, que se dizem polivalentes, mas no fim não se mostram capazes de efectuar nenhuma tarefa de forma eficiente.
  7. Estabelecer processos – Munidos da informação obtida e filtrada, já com os limites e capacidades definidos, resta estabelecer o que se fará para cada substância analisada: quais as ações prioritárias? quais as funções dos elementos aquando da chegada ao teatro de operações? quais as capacidades para aquela substância (monitorização, intervenção, descontaminação, etc…)?
  8. Testar procedimentos – Após ultrapassados os últimos sete passos, é crucial testar o estabelecido anteriormente. Este teste pode (e deve) ter um formato de exercício que procure testar tudo o que foi definido para a equipa. Desta forma pode-se “limar as arestas” dos procedimentos de intervenção.
  9. Treinar, treinar, treinar – Os melhores procedimentos, sem um plano de treino bem delineado, não valem de nada. É necessário que a equipa treine os processos definidos por forma a ser capaz de os executar de uma forma fluida, natural…

Estas linhas guia são apenas uma forma de abordar a questão, certamente haverá outras tão ou mais válidas. O importante é que não se deixe de pensar sobre estes acidentes que, embora de baixa frequência, podem ter elevada complexidade de resolução.

Existem várias vantagens para a elaboração de procedimentos/fichas de intervenção, a principal será a adequação à “nossa realidade”, mas também podem servir como um excelente treino.

intervir.pt | tome parte.



 

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